Opinião: 3 curtas-metragens

Passar duas horas a ver um filme, sentado no sofá a ouvir a chuva cair é, sem dúvida, uma das melhores formas de aproveitar as mais preguiçosas tardes de inverno. No entanto, nem todos os nossos dias apresentam horários tão pouco preenchidos que nos permitam dispensar o tempo necessário para ver um filme de longa duração. Seja porque tens aulas online de manhã à noite ou porque andas atarefado com a época de exames, as curtas-metragens podem ser uma boa forma de desfrutares da 7ª arte sem te sentires culpado por passar muito tempo afastado dos livros. Deixamos-te aqui três sugestões de curtas-metragens, todas com menos de quinze minutos, ideais para uma pausa no estudo.

Canvas

Canvas (ou A Tela em Branco em português) é uma curta-metragem de animação escrita e dirigida por Frank E Abney III, que já trabalhou para projetos da Disney e da Pixar. Guiada apenas pela música e sem qualquer diálogo, Canvas conta uma história doce e comovente sobre a dificuldade em lidar com a dor de perder alguém.

Depois da morte da sua mulher, um homem idoso vê-se incapaz de voltar a pintar, um velho hobby que o relembra demasiado da sua falecida esposa. Ignorando este facto, a sua neta continua a oferecer-lhe desenhos de cada vez que o vai visitar com a mãe e insiste para que ele se junte a ela a desenhar.

A simplicidade do enredo e o reduzido número de personagens adequa-se à curta duração do filme e, para além disso, contribuem para a sua atmosfera calma e familiar. Também a ausência de diálogo ajuda a criar este ambiente intimista e é concordante com a temática da curta-metragem: nada melhor do que deixar a música guiar as emoções do espectador numa obra que se debruça precisamente sobre a dificuldade em transmitir por palavras sentimentos como a tristeza e a saudade.

Engenhosamente, é utilizado um tipo de animação diferente para distinguir as cenas que se desenrolam nos sonhos e pensamentos da personagem principal. O estilo cartoon destas sequências contrata com a animação bastante realista que caracteriza o resto desta enternecedora curta-metragem.

 

If anything happens I love you

Um outro pequeno filme de animação, mas desta vez num registo cartoon e minimalista e, surpreendentemente, com uma capacidade ainda maior de emocionar o espectador.

If anything happens I love you é exímio a fazer uso dos espaços vazios, do silêncio e da quase total ausência de cor para transmitir, desde do primeiro minuto, a sensação inquietante de que há algo em falta, algo que está irremediavelmente perdido.

O filme inicia-se com um casal a tomar uma refeição em conjunto mas em silêncio. Embora raramente olhem um para o outro, as suas sombras discutem incessantemente. Estas sombras com vida própria, que espelham sentimentos que as próprias personagens pretendem esconder, encarregam-se de nos guiar durante o flashback que constitui quase todo o filme, onde finalmente nos é revelada a tragédia que abalou esta família.

Na sequência de um tiroteio escolar, este casal perdeu a sua filha e agora os dois tentam reencontrar uma forma de viver com tudo o que aconteceu.  A mensagem politica não passa despercebida mas, o ponto forte de If anything happens I love you é, que ao focar-se mais detalhadamente no panorama emocional das personagens, torna esta história intemporal e não apenas uma reação a um problema da atual.

Profundamente triste e tocante, If anything happens I love you acaba por se encaminhar para um final esperançoso. Há medida que o casal aprende a reconciliar a ausência da filha com as boas memórias que tem dela, conseguem que estas funcionem como um fio que os une um ao outro e à vida e remendar, tanto quanto possível, a sua relação.

Cops and robbers

O filme mais curto aqui apresentado, com apenas sete minutos, Cops and Robbers explora o problema da discriminação racial e brutalidade policial nos Estados Unidos da América. Dirigido por Arnon Manor e Timothy Ware-Hill, e contando com a colaboração de mais de 30 criadores, esta curta-metragem surgiu em resposta ao assassinato de Ahmaud Arbery a 23 de fevereiro de 2020.

O filme segue o poema escrito e declamado por Timothy Ware-Hill. Quase a cada novo verso, um novo artista assume o controlo e cria um estilo diferente de animação que representa a sua interpretação pessoal do poema. O resultado é caótico mas, sem qualquer dúvida, cativante.

A ligar cada pedaço da curta-metragem está a ideia central do poema, o contraste entre a inocência de um jogo infantil (“cops and robers” que pode ser traduzido como “polícias e ladrões”) e a brutalidade policial de que são vítima os afro-americanos. Esta é a verdadeira fonte de vulnerabilidade desta obra que, além de demonstrar uma enorme criatividade, é também um grito de alerta, eloquente e infelizmente necessário, nos dias de hoje.

Estas são apenas três sugestões mas há muito mais para ver. Assim, acabaram-se as desculpas: há sempres tempo para ver filmes.

 

Mariana Gil

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