Opinião: Charles Bukowski – Lúgubre forma de boémia

Ao longo da sua bibliografia, Charles Bukowski usa e abusa da voz do seu companheiro Henry Chinaski para nos levar numa marcha pela vida boémia sustentada pelas mulheres, álcool e marginalidade. Todavia, desenganem-se, este é apenas o percurso da marcha, o seu destino é bem diferente.

Charles Bukowski. Créditos: Ulf Andersen – AFP

Em Mulheres (1978), acompanhamos, com certa surpresa, o desabrochar da próspera carreira como escritor do velho Henry Chinaski. Após meio século de uma vida displicente, amarga e à margem, o novo sucesso gera um intrínseco desejo de experienciar tudo quanto lhe foi privado. Assim se dá a génese de uma insaciável e cíclica busca pelo prazer, que encontra de forma constante na bebida e de forma rotativa em variadas mulheres.

Todavia, a narrativa crua e o humor soturno de Bukowski deixam a nu aquilo que é, efetivamente, intrínseco em Chinaski: uma vontade desesperada e quase inconsciente de preencher frivolamente o seu vazio interior, a descrença no êxito genuíno das relações humanas e, por conseguinte, a leve aceitação da solidão como estado puro e permanente. Citando, “Fosse como fosse, as relações humanas não resultavam. Só as primeiras duas semanas tinham categoria, depois os participantes iam perdendo o interesse. As máscaras caíam e começavam a surgir as pessoas reais […]”.

Quatro anos mais tarde, Ham on Rye (1982) confirma, precisamente, que a vida boémia serve apenas como manto para ocultar a verdadeira essência de Chinaski. Numa prosa novamente marcada pela honestidade e comicidade mordazes, Bukowski leva-nos a sentir compaixão e, até, piedade pelo seu alter-ego. A violência por parte do pai, a ausência de amor em tudo quanto o busca e o sentimento de permanente abandono durante a sua infância e adolescência conduzem Chinaski por um caminho de inevitável sobrevivência. Sentado no banco do passageiro, atua como espectador da sua própria vida: “Que desgastantes foram aqueles anos – ter a necessidade e o desejo de viver e não ter a capacidade”.

Em suma, numa obra isenta de pretensiosismos e de artifícios, taciturna, porém cómica, Bukowski estrangula as nossas entranhas e interpela-nos. Qual é, efetivamente, esta estranha forma de vida que levamos? A dele, já bem a conhecemos; é uma lúgubre forma de boémia.

 

Mariana Marques Martins

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