Filmes em Tempo de Quarentena

Estado de emergência. Isolamento profilático. Já ninguém fala de outra coisa senão a devastadora pandemia, e o conselho é unânime: “fica em casa”. Numa altura onde #stayathome e lavar as mãos são o centro das atenções mundiais, é nosso dever como agentes da saúde pública cumprir estas ordens. Mas quem disse que ficar em casa tinha de ser entediante? Deixamos-te 15 recomendações de filmes disponíveis para veres no conforto do teu sofá e ajudar o tempo a voar.

 

Perfect Sense (2011)

Dir. David Mackenzie, Romace/Ficção Científica

Ultimamente, tem ressurgido um interesse no filme Contágio devido à sua fidelidade em retratar o desenrolar dos eventos perante uma pandemia com caraterísticas assustadoramente semelhantes à que agora vivemos. Perfect Sense desperta igualmente a curiosidade mórbida que a maioria agora tem em ver a situação atual retratada na ficção, mas fá-lo de uma forma menos fria e precisa, transportando-nos para uma epidemiologista e um chef de cozinha, que se apaixonam enquanto o caos do mundo, à sua volta, cresce exponencialmente com uma doença que priva gradualmente a população dos seus sentidos. É uma história de amor em tempo de guerra, e uma reflexão sobre o bem que se pode tirar da humanidade em tempos de crise.

 

Relatos Salvajes (2014)

Dir. Damián Szifron, Comédia

Numa altura onde todos precisam também de se rir, Relatos Salvajes é perfeito para diversão em família (com alguma salvaguarda, reúnam só a família para lá dos 16 anos). O filme argentino é uma antologia de seis curtas metragens fundidas que estão ligadas tematicamente por auras de vingança, exagero, e pela capacidade do ser humano revelar comportamentos verdadeiramente animalescos. Pode parecer algo que custaria a digerir, mas Relatos Salvajes lida com todas as narrativas de uma forma cómica, ridicularizando os extremos que estamos dispostos a atingir em situações de pânico, não deixando indiretamente de se relacionar com o que hoje vivemos.

 

Atonement (2007)

Dir. Joe Wright, Drama/Romance

Atonement é uma mistura de cenários inesperada, e um filme que se propõe a satisfazer o espectador independentemente do seu género predileto. A clássica estrutura de três atos é impecavelmente cumprida, as duas horas de duração são divididas em três blocos de 40 minutos – o primeiro é uma espécie de Orgulho e Preconceito ou Sensibilidade e Bom Senso atualizados, Jane Austen com um toque de “whodunnit” e suspense; o segundo ato é uma maravilha visual de cinema de guerra em qual Dunkirk, mais tarde, se pareceu inspirar; e finalmente, o terceiro ato é felizmente algo próprio e feito à medida deste filme apenas.

 

A Cure for Wellness (2016)

Dir. Gore Verbinski, Terror/Fantasia

Um filme que infelizmente passou por debaixo do radar do público em geral, não encontrando distribuição em Portugal e sendo pontapeado pelos críticos, A Cure for Wellness não deixou de ser dos lançamentos de grandes estúdios mais ousados nos últimos anos. No enredo, segue um jovem que fica encarregue de recuperar o diretor da multinacional, para onde trabalha, de um “centro de bem estar” nos Alpes suíços, descobrindo lentamente as práticas pouco ortodoxas por detrás da instituição. É uma fusão entre terror e ficção científica mantendo o formalismo do thriller clássico. Um conselho – encontra o maior ecrã possível, porque A Cure for Wellness tem uma cinematografia sublime.

 

Bug (2006)

Dir. William Friedkin, Thriller/Terror

Retomando o tema atual de distanciamento e quarantena, vem Bug, um filme que pode não ser o mais animador para esta época, mas não deixa de ser uma análise interessante ao fenómeno de viver em isolamento. A história é de Agnes, uma mulher que é arrastada para uma teoria de conspiração, envolvendo insetos, proposta por um veterano de guerra interpretado por Michael Shannon, no melhor papel da sua carreira, e a jornada degradante de ambos até à insanidade. Adaptado de uma peça de teatro, o espaço e cenário é naturalmente reduzido – apenas a mesma casa durante 90 minutos, sem a poder abandonar incerto dos perigos do exterior. Familiar?

 

Notes on a Scandal (2006)

Dir. Richard Eyre, Drama

Drama é mesmo a palavra chave para descrever Notes on a Scandal. O filme britânico (grande ênfase para britânico, porque aqui não é só adjetivo para a nacionalidade, mas quase uma descrição da forma como as personagens interagem e como a história é contada) conta com a história de uma professora de artes plásticas numa escola secundária que guarda um segredo obscuro, e a sua relação de amizade e amor platónico unilateral com uma outra professora mais velha da mesma escola. O destaque vai para as performances das duas enormes atrizes protagonistas (Cate Blanchett e Judi Dench) que carregam este conto sobre obsessão, maravilhosamente comandado pelo maestro Richard Eyre.

 

WALL•E (2008)

Dir. Andrew Stanton, Animação/Aventura

O mágico filme de animação é um dos pontos altos de um estúdio que é feito de pontos altos, e tem uma narrativa que se torna cada vez mais relevante cada dia que passa. A fábula ecologista futurista aventurou a Pixar numa discussão que anteriormente só estava na mesa dos adultos (uma veia que o estúdio continuou a perseguir, tratando de assuntos como a polaridade emocional da adolescência em Inside Out ou a morte de familiares próximos em Coco). Mas, na verdade, WALL•E transcende as barreiras de “filme para miúdos” e torna-se um espetáculo para toda a família. Orquestrar um filme generalista com o seu primeiro terço sem praticamente nenhum diálogo é uma jogada corajosa. É um clássico que todos conhecem, mas nem por isso deve deixar de ser recomendado.

 

Tangerine (2015)

Dir. Sean Baker, Comédia/Drama

Tangerine é a colorida história de duas prostitutas transgénero que põe em prática um plano de vingança contra o seu chulo que terá traído uma delas, enquanto um taxista arménio tenta cortejar a outra. É um mundo recheado de personagens exageradas, respostas atrevidas e diálogo hilariante, onde todos tentam ver o melhor no ambiente decrépito que os rodeia, e constroem de modo improvável uma família que não é de sangue. Sean Baker alia ainda uma filmagem na íntegra com um iPhone 5S, o que salienta ainda mais todo o dinamismo e energia do filme.

 

Aquarius (2016)

Dir. Kleber Mendonça Filho, Drama

E porque seria errado elaborar uma lista e não incluir nenhum filme na língua de Camões, Aquarius é uma produção brasileira com garra que acompanha Clara, (maravilhosamente interpretada por Sónia Braga, a Gabriela original) uma sobrevivente de um cancro, viúva, que luta hoje em dia contra a empresa de construção que quer a todo custo demolir o prédio a que ela sempre chamou casa. É o retrato de uma mãe, de uma mulher, da identidade de uma região e da desvirtuação das empresas – é um pote de água quente a fervilhar durante 146 minutos que fica cada vez mais tenso até extravasar.

 

Mommy (2014)

Dir. Xavier Dolan, Drama

Inacreditavelmente criativo com algo tão aparentemente rudimentar, é uma boa pequena descrição de Mommy. O guião é trivial: tudo gira à volta da relação conturbada de uma mãe e um filho de 14 anos muito incendiário, e todas as peripécias que enfrentam na vida em casa. O filme encontra formas inovadoras para refletir os sentimentos das personagens – quer seja manipulando a proporção da tela ou com deixas musicais apropriadas. É uma viagem fantástica e dramática num mundo não muito cor-de-rosa da classe média-baixa canadiana (preparem-se para dialetos com misturas improváveis de francês e inglês que caem mal no ouvido mas ajustam-se ao ambiente de Mommy).

 

Upstream Color (2013)

Dir. Shane Carruth, Ficção Científica/Romance

Possivelmente o filme mais esotérico da lista, e provavelmente o mais ambicioso no que toca a representar o contacto humano e a realização da nossa espécie como essencialmente um só. Os temas que cobre são demasiados para enumerar, e talvez impossíveis de decifrar na totalidade, e a narrativa fragmentada é melhor compreendida apenas mesmo com a visualização, mas não deixem que tudo isto vos desmotive. Upstream Color é uma experiência que acompanha duas pessoas que se apaixonam e também o percurso de um parasita e o seu ciclo de vida. É inexplicavelmente bonito, e é um filme que não trabalha com lógica, mas sim diretamente com o nosso subconsciente.

 

Happy-Go-Lucky (2008)

Dir. Mike Leigh, Comédia

Poppy é a personagem principal de Happy-Go-Lucky, uma educadora de infância que carrega uma tremenda felicidade e energia onde quer que esteja, mas que choca quando as suas aulas de condução lhe trazem um instrutor particularmente cinzento. O filme, ainda que tenha um tom relativamente leve, explora um tipo de personagem não muitas vezes retratada – alguém genuinamente feliz e que consegue minimizar os problemas à sua volta. É uma perspetiva curiosa na importância (e nos perigos) da procura da felicidade, para nós e para os que estão à nossa volta.

 

Doubt (2008)

Dir. John Patrick Shanley, Drama

Doubt é um retrato muito formal e clássico do típico filme que costuma estar na disputa de grandes prémios no final do ano (em 2008 foi de facto indicado a 5 Óscares da Academia) mas isso não lhe retira nenhuma da qualidade e importância. Desenrolando-se numa escola católica, todo o filme gira à volta de uma questão que nunca é verdadeiramente respondida até ao final do filme, e mesmo aí, é deixada ao critério do espectador. É um conto de dualidades morais sobre a pedofilia na igreja, e aborda de modo muito atual as questões da vítima e das acusações, e a busca incessante do lado de onde está a verdade.

 

Edward Scissorhands (1990)

Dir. Tim Burton, Fantasia/Romance

Eduardo Mãos de Tesoura (como ficou conhecido em Portugal) dispensa introduções, ficando para a história como um verdadeiro gigante que marcou a carreira de Tim Burton e resiste como um hino à capacidade de ver o que há de positivo na diferença sem ter receio da mesma. Apesar de já ser familiar para todos, devemos fazer para que Eduardo Mãos de Tesoura não se torne apenas uma peça indiferenciada de pop culture para estampar em t-shirts ou servir de disfarces de Halloween, e é imperativo preservar o filme de coração e alma, enormes, que aqui existem. Reúne a família e revê este clássico que com certeza irá encher a casa e os corações de todos que agora precisam.

 

Strange Days (1995)

Dir. Kathryn Bigelow, Ação/Ficção Científica

Nada melhor do que acabar uma lista com um filme sobre o fim do mundo. Strange Days conta várias histórias, todas ligadas com a passagem de ano para o novo milénio e uma teoria da conspiração que é lentamente descoberta e posta a nu.  Lidando com uma série de temas que são ainda mais relevantes em 2020 do que na data original de estreia (brutalidade policial, desigualdade de classes e um histerismo americano muito acertado para uma obra que foi produzida pré 11 de setembro), Strange Days é um filme recheado de ideias, mas ainda mais de ação futurista e cenas de tiroteio ou pancadaria exímias.

 

Estes 15 filmes são apenas o que a Engenharia Rádio reuniu para ti, mas há todo um mundo do cinema que podes descobrir agora! O entretenimento é essencial nestas fases difíceis, e tudo é mais fácil com algo para passar o tempo. Lembra-te que é possível divertires-te enquanto ficas em casa!

 

José Pedro Araújo

Publicado a

Comentários fechados em Filmes em Tempo de Quarentena