F1- We race as One?

É já amanhã que começam as sessões de treino para o último Grande Prémio desta temporada de Fórmula 1. A par da curiosidade para saber como será o derradeiro domingo em Abu Dhabi surge também a satisfação de deixar 2020 para trás. No entanto, e apesar das circunstâncias, este ano esteve longe de ser aborrecido para a elite do desporto motorizado.

Ainda antes do arranque oficial da temporada, já era certo que o ano em que se celebrava os 70 anos da Fórmula 1 seria diferente, pois marcaria o fim de uma era: em 2021 serão impostas restrições económicas que limitam os orçamentos das equipas para diminuir a diferença entre aquelas com maior e menor poder financeiro. E porque a emoção da competição não acontece apenas dentro dos limites de pista, o facto de a maioria dos pilotos terminar o contrato com a respetiva equipa este ano, não passou despercebido aos fãs do desporto.

O surto de Covid-19 e a consequente necessidade de isolamento que se foi impondo um pouco por todo o mundo, vieram atrasar aquele que prometia ser um ano em grande para a F1. Depois de uma das equipas confirmar um caso positivo, o Grande Prémio da Austrália que tipicamente marca o inico da temporada foi cancelado. A este seguiram-se uma série de cancelamentos que empurraram o início da temporada para o primeiro fim de semana de Julho, na Áustria.

Por outro lado, as restrições impostas pela pandemia acabaram por resultar na introdução de novos circuitos, principalmente em território europeu, para colmatar a ausência das 13 corridas que tiveram de ser eliminadas. Alguns constituíram uma verdadeira estreia para a Fórmula 1, como é o caso de Portimão, outros voltaram ao calendário depois de não serem utilizados há muitos anos. Nesta última categoria destaca-se o regresso a Imola marcado por uma homenagem a Ayrton Senna, que em 1994 perdeu a vida neste circuito.

Foi precisamente no Grande Prémio de Portugal que Lewis Hamilton conquistou a sua 92ª vitória, quebrando o recorde anteriormente  estabelecido por Michael Schumacher. Nesta temporada, Hamilton igualou também o recorde do número de títulos mundiais, detido igualmente pelo piloto alemão, conquistando o seu sétimo título no Grande Prémio da Turquia, ao mesmo tempo que a Mercedes ganhava o mundial de construtores pela quarta vez consecutiva.

O domínio da Mercedes sobre as restantes equipas, que se tem feito sentir desde há vários anos, apenas sai mais consolidado desta temporada de 2020, com a equipa de Silverstone a terminar em considerável vantagem em relação à Red Bull, os segundos classificados no mundial de construtores. Desta feita, nem sequer contaram verdadeiramente com a oposição da Ferrari. A equipa italiana passou por dificuldades com um carro que se revelou instável e lento, precisamente no ano em que celebrou o seu 1000º Grande Prémio em Mugello, circuito do qual é proprietária.

O desempenho de uma equipa de Fórmula 1 sempre dependeu tanto da qualidade do carro como do talento do piloto. No entanto, com a evolução tecnológica o equilíbrio entre estas duas variáveis alterou-se, favorecendo a primeira . Deste modo, torna-se praticamente impossível para as equipas mais pequenas aproximarem-se da frente da grelha. É precisamente esta discrepância que as futuras restrições financeiras se propõem eliminar. Será que surtirão efeito e podemos esperar um ambiente mais competitivo em 2021?

Apesar da ausência de surpresas quanto aos vencedores de 2020, não é correto afirmar que os resultados deste ano foram totalmente previsíveis. A batalha no pelotão do meio foi (e continua a ser) muito renhida, com pouco mais de 50 pontos a separar o quarto do décimo primeiro classificado no mundial de pilotos.

Igualmente interessante, tal como previsto antes do início desta temporada, foi o mercado de pilotos de 2020. Assim que a Ferrari anunciou que não iria renovar contrato com Sebastian Vettel (quatro vezes campeão do mundo), iniciou-se a típica dança das cadeiras que até à data de publicação deste artigo continua por encerrar.

Existem ainda três lugares por confirmar mas, assumindo que Lewis Hamilton (atualmente em isolamento) renovará contrato com a Mercedes e dado que o 2º lugar na AlphaTauri parece reservado para Yuki Tsunoda, o verdadeiro mistério é quem ficará no carro número 2 da Red Bull. Depois de ter sido chamado para substituir ambos os pilotos da Racing Point quando estes testaram positivo para a covid-19, Nico Hülkenberg impressionou com a sua prestação e parecia um forte candidato. Mas, presentemente, as atenções concentram-se todas em Alexander Albon, o atual ocupante do 2º cockpit da RBR e em Sergio Pérez, o piloto mexicano que acabou de alcançar a sua primeira vitória no passado domingo.

Em 2021 veremos também o regresso do nome Schumacher à Fórmula 1, com o filho do heptacampeão a assinar contrato com a Haas depois de ter ganho o campeonato de Fórmula 2. A escolha do seu companheiro de equipa, Nikita Mazepin, foi muito mais controversa: o seu comportamento agressivo dentro e fora de pista já lhe valeram várias penalizações e críticas. Mais recentemente, o piloto russo viu-se envolvido numa  polémica ao partilhar nas redes sociais um vídeo no qual assedia uma mulher.

A equipa Haas, tal como  a F1 e a FIA (Federação Internacional de Automobilismo), já se pronunciaram e condenaram as suas ações, mas a integração de alguém com o historial de Nikita Mazepin na grelha da Fórmula 1 contrasta fortemente com o esforço recente destas duas entidades para promoverem a diversidade e a inclusão no desporto.

Parece ser sempre um passo para a frente e dois para trás no que toca a estas iniciativas: pouco tempo depois do lançamento do movimentoWe Race as One pela F1, vários pilotos recusaram ajoelhar-se no início de cada Grande Prémio, não participando na iniciativa liderada por Lewis Hamilton. Esta pretende chamar a atenção para a discriminação racial da qual o próprio foi alvo ao longo da sua carreira. Da mesma forma, a recente dupla jornada no Bahrain, voltou a fazer incidir luz sobre a problemática de os Grandes Prémios terem lugar em países que não respeitam os direitos humanos.

Num sentido mais amplo, a importância de um desporto reside tanto naquilo que acontece dentro das quatro linhas (ou, neste caso, dos limites de um circuito), como nas comunidades que se criam em seu redor. Em 2020, a Fórmula 1 assumiu o compromisso de melhorar em ambas as frentes. Teremos de aguardar para saber até que ponto estas resoluções se manifestarão nos próximos anos.

 

Mariana Gil

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