Ressaca Literária: Um Cântico de Natal

“O Natal é feito de tradições” é uma frase muito repetida mas nem por isso menos representativa da verdade. Há rituais que se mantêm, ano após ano, quer por força do hábito, quer por genuíno entusiasmo. Mesmo aqueles que só com muita relutância se levantam do sofá para dar uma ajuda nas decorações não têm escolha senão sentir a aproximação da época natalícia em tudo o que os rodeia: nas luzes, na música que passa na rádio, nos livros!

Celebra-se hoje o 179º aniversário da publicação de um livro que está tão enraizado no nosso imaginário natalício que poucos sabem que é o responsável pela popularização da expressão “”Merry Christmas”. A 19 de Dezembro de 1843 surgiu Um Cântico de Natal de Charles Dickens e 5 dias depois, precisamente na véspera de Natal, a primeira edição tinha já esgotado, demonstrando como se transformou num clássico natalício instantaneamente.

Um Cântico de Natal segue a personagem de Scrooge, um homem de negócios antipático e avarento, na sua jornada de transformação e redenção. Tudo se inicia quando o fantasma de Marley, o seu sócio há muito falecido e que, em vida, era o único que o conseguia igualar em termos de avareza, aparece diante de si na véspera de Natal. Tem um aspeto miserável, carrega consigo uma corrente pesada para onde quer que vá e avisa Scrooge que, embora ainda não lhe sinta o peso, uma corrente semelhante lhe está destinada quando deixar o mundo dos vivos.

Numa última tentativa de escapar a este horroroso destino, Scrooge será visitado por três fantasmas que o ajudarão a perceber os motivos da sua condenação e o que pode fazer para a atenuar.

Apesar de recorrer a figuras fantasmagóricas para fazer avançar a história e lhe conferir uma aura sobrenatural, todos os passos que levam à mudança de mentalidade e comportamento de Scrooge são perfeitamente análogos àqueles que precedem qualquer transformação no mais comum dos mortais.

Com o fantasma do passado, põe em prática um exercício de memória e reflexão, necessário para se recordar das suas origens e dos princípios que valorizava antes de se deixar consumir pela ganância. Ao lado do fantasma do futuro, adquire a capacidade de prever qual será o seu legado na terra e a forma como será recordado depois de morrer.

Talvez o aspeto mais importante seja abordado pelo fantasma do presente. Este mostra a Scrooge a maneira com a sua falta de empatia afeta diariamente aqueles que o rodeiam, apelando, assim, ao seu atrofiado sentido de solidariedade.

Um Cântigo de Natal não está associado a esta época apenas pelo seu título. Com o fim do ano a aproximar-se, a maior parte de nós sente uma maior predisposição para a auto-reflexão. Este estado de espírito peculiar é precisamente uma das tradições de Natal mais bem conservadas. Confrontados com a falta de ajuda sobrenatural para nos guiar nas nossas decisões podemos, pelo menos, procurar refúgio e consolo na história de Scrooge.

Fica-te curioso? Podes ouvir a seguir um pequeno excerto do capítulo “O último dos espíritos”.

Boas leituras!

Mariana Gil

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