O Futebol pertence aos Deuses: A breve história da Super Liga Europeia

A Super Liga Europeia (ESL) é sem dúvida um dos casos mais interessantes da história futebol. Um caso inédito, onde a criação de uma nova competição foi anunciada, criticada e suspensa em apenas 4 dias. Um acontecimento repartido em várias partes e entidades, que iria de certeza mudar o paradigma do futebol moderno.

Tudo começou quando numa tarde de domingo, dia 18 de abril, surgiram rumores de um anúncio oficial por parte de 12 clubes europeus: a participação de uma Liga exclusiva, criada para estes competirem internamente entre si, rivalizando com a maior competição europeia de clubes – a Champions League da UEFA. Os clubes participantes pertenceriam a 3 grandes ligas europeias: Inglaterra (Tottenham, Liverpool, Manchester United, Manchester City, Arsenal e Chelsea), Itália (AC Milan, Inter de Milão e Juventus) e Espanha (Real Madrid, Atlético de Madrid e Barcelona), com outros clubes a serem convidados de acordo com a sua reputação e participação nas restantes ligas europeias.

Rapidamente surgiu um comunicado oficial da UEFA a condenar todos os envolvidos na criação e apoio da Super Liga Europeia, indiretamente ameaçando sanções e alertando para a ilegalidade do ato. No entanto, a posição de fãs, jogadores e comentadores desportivos em conjunto, chocaria muito mais que o adepto comum.

Gary Neville, antigo jogador do Manchester United e agora comentador da famosa cadeia televisiva Sky Sports, mostrou em direto o seu descontentamento: “Temos de combater o poder destes clubes no país, e isso inclui o meu, o United (Manchester), de que sou adepto à 40 anos”. Mais tarde, com o assentamento de que aqueles rumores seriam verdade e de que estaria para breve um anúncio, o ex-lateral sugeriu uma dedução de pontos e consequente despromoção das principais ligas para os clubes envolvidos, realçando a sua opinião como este sendo um ato de ganância e sem qualquer preocupação com os adeptos.

Este tumultuoso acontecimento estava a criar tanto descontentamento, que até orgãos oficiais dos governos se manifestaram negativamente, como o primeiro-ministro inglês Boris Johnson, e mais tarde, o primeiro-ministro português António Costa.

Foi exatamente às 23h00 de domingo que todos os clubes envolvidos lançaram o anúncio oficial da criação da Super Liga Europeia, e vieram à tona os principais motivadores e líderes desta decisão. Andrea Agnelli, presidente da Juventus e membro da família Agnelli, despede-se como Presidente da Comissão Europeia de Clubes e anuncia-se como Vice-Presidente da ESL, presidida por Florentino Pérez, o líder máximo do Real Madrid.

Florentino Pérez é o Presidente do Real Madrid desde 2009.

 

Andrea Agnelli é o presidente da Juventus de Turim, clube onde milita Cristiano Ronaldo.

Tudo se tornou mais claro, pois Florentino Pérez viria a manifestar o seu descontentamento com o formato da Champions League e o desejo da criação de uma Liga Europeia desde o início do seu segundo mandato como Presidente do Real Madrid, em 2009, afirmando que os clubes grandes deveriam apenas jogar contra outros clubes da mesma dimensão, algo que nunca caiu bem nos fãs do desporto-rei.

Na segunda-feira, o mundo do futebol acordou bem aceso. As ligas a que os clubes pertenciam negaram o seu apoio à nova competição, e grupos de fãs juntaram-se em redor dos estádios com cartazes a manifestar a sua desilusão com a atitude dos donos dos clubes. Nada melhorou quando a Super Liga anunciou que iriam ser lançados processos caso a FIFA ou a UEFA decidissem prejudicar os jogadores destes clubes, anunciando um fundo de 4 mil milhões de euros para combater as federações. Fundo este que, revelado pela Reuters, pertenceria ao magnata dos bancos americanos J.P. Morgan, com ligações a donos americanos de clubes como Liverpool ou Manchester United.

Existe uma metáfora utilizada pelos jogadores em Inglaterra em que estes se referem aos adeptos nos estádios como os “deuses” (The Gods). Ou seja, aqueles que se situam no topo e que no final de contas julgam os intervenientes e o que acontece dentro das quatro linhas. Essa metáfora não poderia ser mais irónica, já que essas manifestações potenciaram as opiniões de muitos jogadores,  dos outros “deuses”, incluindo alguns que atuavam nos clubes envolvidos mostrando-se reticentes em relação à nova liga.

O mundo popular do futebol estava unido e decidido a acabar com este plano, motivando a que as organizações tomassem medidas mais severas. Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, mostrou-se “furioso” e “traído” com o intuito de formar a nova liga e Oliver Dowden, Secretário-Geral do Desporto do Reino Unido, promete uma “revisão da situação” e possíveis sanções aos seis clubes ingleses envolvidos na ESL.

A noite de dia 19 foi marcada por posições. Florentino Pérez deu uma entrevista ao “El Chiringuito”, famoso formato espanhol, em que explicou detalhadamente o seu plano para o futuro do futebol, enquanto o Liverpool vs. Leeds United destacava-se por palavras contra a Super Liga nas camisolas de treino do Leeds, e uma conferência de imprensa posterior onde treinadores e jogadores não apoiavam estas novas vertentes competitivas.

Terça-feira, 20 de abril é crucial. Ao meio-dia, há rumores de que alguns clubes querem desistir da ESL. O The Times avança mesmo que um clube inglês já tenha abandonado. O início do fim estava próximo.

Jordan Henderson, capitão do Liverpool, convoca uma reunião por Zoom com o resto dos capitães dos clubes da Premier League, e finalmente decidem a posição oficial dos jogadores: não concordam e desaprovam a nova Super Liga Europeia.

Adeptos do Chelsea FC manifestavam-se em frente ao estádio do clube, quando finalmente foi anunciada a desistência da ESL.

Às 18h45, antes de um jogo para a Liga Inglesa, o repórter da BBC Dan Roan afirma que o Chelsea desistiu oficialmente da Super Liga, e que os restantes clubes ingleses fariam o mesmo brevemente.

Pelas 23h, Ed Woodward, o chefe executivo do Manchester United fora despedido após 16 ao leme, e o clube retirava-se da competição juntamente com os outros 4 clubes ingleses envolvidos.

Na quarta-feira, Andrea Agnelli declara que “não há condições para continuar com a competição” e saem mais 4 clubes. Os 3 italianos e o Atlético de Madrid, de Espanha. Ficavam Real Madrid, clube fundador e membro-chefe da direção, e o eterno rival FC Barcelona, que lançava um apelo aos sócios para a participação na ESL ir a votos. A competição é oficialmente declarada como suspensa.

Apesar da curta duração deste tumulto no mundo futebolístico, Florentino Pérez afirma que não é o fim, e que haverá processos legais contra os clubes que desistiram da Super Liga Europeia, e que tentará sempre “lutar pela melhora do futebol mundial”.

A ESL prometeu mudar o paradigma do desporto-rei, mas a atitude dos adeptos, jogadores, e restantes intervenientes deixa uma réstia de esperança do que será o futuro do futebol, retirando poder aos donos dos clubes que se mostraram pensar ser os verdadeiros “deuses”.

 

João Albuquerque

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