Ressaca Literária: 1984 – Big Brother is watching you

No dia 21 Janeiro deste ano completou-se o 71º aniversário da morte de Eric Arthur Blair (conhecido como George Orwell) e a sua obra passou para o domínio público, motivando uma série de reedições dos seus livros, entre os quais 1984. George Orwell usou frequentemente a escrita para expor as suas opiniões políticas e a suas convicções éticas e 1984 não é exceção. Passado numa sociedade distópica governada por um regime totalitário, esta obra consegue a proeza de ser simultaneamente indissociável do momento político vivido aquando da sua publicação (o rescaldo da 2ª Guerra Mundial) e, ainda assim, reter uma qualidade intemporal que faz com que mantenha a sua importância tantos anos depois.

No ano de 1984, como indica o título, o mundo está dividido em três estados: a Oceânia, a Eurásia e a Lestásia que se encontram permanentemente em guerra. Isto é tudo o que Winston Smith, o protagonista, sabe sobre o mundo exterior a Londres, a cidade da Oceânia onde vive. Todas as notícias, anúncios, livros e registos são controlados pelo Partido e todos os cidadãos vigiados constantemente pela Polícia do Pensamento. Winston sabe que as informações difundidas pelo Partido são falsas e assiste à miséria em que vive a maior parte dos habitantes londrinos. Mas numa sociedade em que pensar pela própria cabeça não só é proibido como praticamente impossível, Winston trava uma batalha interior para tentar ouvir o seu instinto enquanto tenta escapar aos olhares vigilantes do Grande Irmão que parecem persegui-lo.

Winston vive preocupado com a possibilidade da sua rebelião ser esmagada pela mão omnipotente do Partido sem que haja uma testemunha para passar o seu conhecimento para as próximas gerações. É que o estado opressivo de 1984 não se contenta com o facto de o individuo lhe prestar obediência nas suas ações: procura ir mais além, quebrando todos os instintos e emoções que compõem a natureza humana e destruindo a capacidade de pensar de forma independente.

Esta atmosfera de medo e desespero que perpassa toda a obra pode ser explicada tanto pela situação política vivida, como foi referido anteriormente, assim como pelo estado pessoal do autor. George Orwell usou literalmente as suas últimas forças para acabar 1984: doente com tuberculose, o autor foi internado apenas semanas depois de entregar o manuscrito.  Mas talvez tenha sido a proximidade da morte que tenha contribuído para a clarividência da sua escrita.

 “Ele percebia que os melhores livros são os que dizem aquilo que já se sabe.”

 Seguindo esta máxima, o valor de 1984 não é encontrado, maioritariamente, na beleza da sua prosa ou num enredo complexo e elaborado. A sua importância reside na facilidade com que o leitor consegue encontrar paralelos entre a sociedade distópica criada por George Orwell e o mundo atual. Dispositivos eletrónicos que nunca são desligados? Divulgação de informações falsas? São situações demasiado familiares para serem ignoradas.

Conquanto a atenção do público recaia mais fortemente sobre a dimensão política de 1984, este livro debruça-se sobre outras questões. Orwell procura, por exemplo, explorar a relação entre a linguagem e o pensamento. Deste modo, chama a atenção para a forma como o alcance do nosso raciocínio se encontra condicionado pela extensão do nosso vocabulário, ao mesmo tempo que inventa uma série de neologismos, alguns dos quais acabaram por ser utilizados em linguagem corrente.

 O impacto de George Orwell e em particular de 1984 é inegável. Como uma das mais prominentes obras de ficção científica, é fácil compreender como influenciou distopias mais recentes como The Hunger Games e Divergent. A figura mais icónica do livro, o Big Brother (ou Grande Irmão) que vigia tudo e todos já ganhou o seu lugar na cultura popular no formato de um programa televisivo. E até o termo “orwelliano” adquiriu significado, passando a ser usado para descrever todos os comportamentos que lembrem a sociedade opressora de 1984.

Assim, obra final de George Orwell parece cumprir a função que o seu criador teria pretendido: continua, mais de meio século depois, a relembrar que a liberdade de expressão começa com a liberdade de pensamento e que as duas precisam de ser constantemente defendidas para que possam ser preservadas.

Ficaste curioso? Só para aguçar ainda mais o teu interesse deixamos-te com o excerto inicial do livro.

Mariana Gil

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