Fontaines D.C.: os poetas do post-punk

No primeiro refrão do seu álbum de estreia “Dogrel”, avisaram logo para o que vinham: “my childhood was small/ but I’m gonna be big”. Formados em Dublin e unidos, enquanto estudavam música, pelo gosto à poesia e ao garage rock dos anos 60, os Fontaines D.C. rapidamente ganharam a atenção do público.

A sua música está, de facto, intimamente ligada à poesia. “Dogrel” é uma palavra usada para descrever um antigo tipo de poesia irlandesa que usava bastante repetição e humor, relacionada com a classe trabalhadora. Descreve, também, coisas e situações muito más. Tendo a música como a forma de expressão da sua poesia e a sua maneira única de a mostrar ao mundo, a banda considerou que Dogrel descreveria o seu primeiro álbum na perfeição: não queriam apresentar-se como entendidos, prodígios da música, queriam apenas mostrá-la, sendo os ouvintes livres de levarem dela o que quisessem.

E a quem Dogrel passou despercebido, dificilmente isso aconteceu com o segundo álbum da banda, “A Hero’s Death”. Saído em Julho de 2020, precisamente no Verão que careceu de festivais, os Fontaines D.C. trouxeram até nós os riffs eletrizantes, as batidas ritmadas e bass lines hipnotizantes que dariam um concerto memorável. Ainda que num andamento mais baixo, comparativamente ao álbum anterior, as novas músicas não nos permitem estar quietos, física e emocionalmente. O título que dá o nome ao álbum é, possivelmente, o que mais marca  o ouvinte. “Life ain’t always empty” são as palavras repetidas durante o refrão, revelando uma maturidade que se estende, igualmente, aos versos, em que Grian Chatten partilha uma sabedoria de quem parece já ter vivido toda uma vida. Terminam a canção com o outro “That was the year of the sneer now the real thing’s here”, verso que pode ser interpretado como o contraste entre 2019 e 2020, como o anúncio de que chegaram para ficar,  indo de encontro ao que diziam em “Big”.

Devo confessar que fui uma das infelizes a quem o álbum de estreia da banda escapou. No entanto, devo também dizer que, a primeira vez que ouvi, só parei após ter escutado toda a discografia. Foi refrescante ouvir música tão real e honesta, tão crua, e muito entusiasmante saber que é tão recente. Numa altura em que surgem cada vez mais artistas de quarto e menos bandas de garagem, Dublin surgiu como a mais recente incubadora do post punk, com bandas como The Murder Capital, Just Mustard, Melts. Mais que isso, quando se ouve Fontaines D.C., sente-se que a música passa diretamente do íntimo da banda para o nosso: sinal de que seguem o próprio conselho, “When you speak, speak sincere/ And believe me friend, everyone will hear”, e de que este é um dos bons.

Apesar de não lhes ter sido possível atuar na edição do Nos Alive do ano que corre, os Fontaines D.C. mantêm presença no cartaz de 2021, logo no primeiro dia (7 de julho). Até lá, darão alguns concertos online, como é o caso do que se realiza já no dia 23 de novembro a partir da sala de concertos londrina O2 Academy Brixton, e continuarão a deixar que a sua poesia os leve muito longe, e a muito perto de nós.

Mariana Varejão de Magalhães

Publicado a

Comentários fechados em Fontaines D.C.: os poetas do post-punk