Porque se celebra, no Porto, o São João?

Não há portuense, de nascença ou de afinidade, que não conheça e não vibre com aquela que é conhecida como noite mais longa do ano. Mas será que sabes tudo sobre a festa que pára a cidade? Qual a sua origem? Como apareceram os martelinhos? E o alho porro?

Origem das festas de São João na cidade do Porto

A ideia mais comum é que as festividades serão em homenagem ao santo padroeiro da cidade. Mas esta ideia não podia estar mais errada! Ao longo do tempo a cidade foi mudando de padroeiro, porém este nunca foi São João. Primeiro foi São Vicente, curiosamente, o Santo padroeiro de Lisboa, do século XII ao XVI. Posteriormente São Pantaleão, que concedeu ao Porto o estatuto de “cidade santuário”, atraindo milhares de romeiros.  Atualmente, a padroeira oficial da cidade, desde 1984, é a Nossa Senhora da Vandoma, também conhecida por Nossa Senhora do Porto, igualmente presente no brasão da cidade.

Reza a lenda que, aquando da conquista da cidade aos mouros, vinha na armada o Bispo de Vêndome, trazendo consigo uma réplica da Santa da sua terra natal. A imagem de Nossa Senhora de Vêndome acabaria por ficar colocada numa das portas da cidade e, rapidamente, o nome Vêndome foi “atripeirado” para Vandoma.

As festividades do dia, propriamente ditas, são de origem pagã, assinalando-se o solstício de Verão, comumente conhecido como o dia mais longo do ano, associado à fertilidade, à alegria das colheitas e à abundância.   Mais tarde, e à semelhança de outras datas pagãs, o dia viria a ser cristianizado, juntando a grande festa já existente ao dia de nascimento de São João Baptista.

Os martelinhos de São João

Pequenos ou grandes, ruídosos ou silenciosos, o certo é que ninguém se quer ver sem um nesta noite, para se “defender” ou para cumprimentar amigos e desconhecidos. Mas de onde vem esta tradição? Se achas que São João era conhecido por andar às marteladas a toda a gente, estás enganado! A realidade é que esta tradição está muito ligada aos estudantes e, em particular, à Queima da Fitas.

Os martelinhos foram inventados em 1963 por Manuel Boaventura, industrial portuense ligado aos plásticos. A ideia era adicionar mais um brinquedo à sua oferta mas, em maio desse ano, Boaventura decidiu oferecer vários martelos azuis e brancos aos estudantes, durante a Queima das Fitas. Foi sucesso imediato e, em junho, os martelinhos começam a  invadiam a festa de São João.

O alho porro e o manjerico

Resquícios das comemorações pagãs e das crenças nas capacidade curativas ou sobrenaturais das plantas, era vulgar queimar-se ervas aromáticas como oferendas. Serviam para espantar o mau olhado, garantir proteção para o ano inteiro e homenagear a fecundidade dos seres humanos e das culturas. No Porto, adoptou-se o manjerico, planta que abençoa os amores, ou seja, a fecundidade. Por isso mesmo, era oferecida pelos rapazes às suas namoradas. A carga mais “malandra”, que mais tarde surgiu associada aos manjericos, aparece “com a quadra que os acompanha. É a quadra que tem a mensagem que quem oferece o manjerico quer transmitir”, explica Germano Silva, conhecido historiador portuense. Sobre o alho porro, refere que “no século XIX havia muitos terrenos abandonados à volta do Porto onde o alho porro crescia a eito. Na noite de São João, as pessoas colhiam um alho porro e batiam com ele na cabeça daqueles com quem se cruzavam. Era uma forma de saudação, de cumprimento. Foram as rusgas (canções populares) que lhe deram uma conotação fálica, mas isso é secundário”. Para além disso, o alho porro era usado pelos rapazes como forma de estabelecer contacto com as raparigas com quem se cruzavam.

As fogueiras, o fogo de artifício e os balões de São João

Estas tradições também remontam à forma pagã de celebrar o solstício de Verão, com um dos elementos da natureza: o fogo. As fogueiras eram ateadas em algumas ruas da cidade e os foliões saltavam por cima, num número ímpar de saltos e no mínimo três vezes, provando assim a sua coragem e ficando protegidos de todos os males. Os mais crentes, acreditam que a sua origem remonta à fogueira que foi acesa pela mãe de São João Baptista, para alertar do seu nascimento. O fogo de artíficio, de acordo com a tradição popular, tinha como objetivo “acordar” São João. Já os balões serviam como forma de comunicação, alertando toda a região para o início das festividades. Hoje em dia, estas duas últimas tradições dão origem a um grande número de “especialistas” que discutem apaixonadamente se o melhor local para ver o fogo é no Porto ou em Gaia ou qual a “técnica infalível” para fazer o balão levantar!

As Cascatas Sanjoaninas

“Quem te vê ao vir da Ponte
És cascata sanjoanina
erigida sobre um monte,
no meio da neblina”

Se dúvidas houvessem em relação à importância das Cascatas para a cidade, o poema de Carlos Tê, imortalizado na voz de Rui Veloso em “Porto Sentido”, esclarecem-nas bem. Mas como surgiram? A verdade é que não se sabe ao certo!  Sabe-se que começaram a aparecer à porta dos bairros, construídas “pelos garotos que montavam uma espécie de pequeno altar, com musgo e metiam lá o santo”, refere Germano Silva. Com o passar do tempo, começaram a tornar-se cada vez mais complexas e de maiores dimensões.

As sardinhas

Originalmente, o prato típico desta noite eram o anho, o cabrito assado com batatas, o pão quente e o café, tomado no momento de chegada das rusgas às Fontainhas.

No entanto, e segundo o historiador Joel Cleto, há relativamente pouco tempo, um feirante terá trazido sardinhas que sobraram da Festa do Nosso Senhor de Matosinhos, que se celebra antes do São João, grelhando-as nas Fontaínhas. Foi um amor à primeira vista, de tal forma que hoje a sardinha é um bem indispensável.

 

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Um bom São João!

Miguel Pereira

 

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